Radiação Cherenkov brilhando no núcleo do Advanced Test Reactor, um reator no Laboratório Nacional de Idaho nos EUA. Fonte: Argonne National Laboratory CC BY-SA 2.0
O que acontece quando um corpo se move mais rápido que a luz? Parece uma pergunta estranha, pois a Física coloca a velocidade da luz como um limite máximo de velocidade. Acontece que este limite é dado pela velocidade da luz no vácuo. Quando a luz atravessa um meio sua velocidade diminui e neste meio é possível ter um corpo com velocidade maior do que a da luz. Um fenômeno interessante quando isto acontece é a emissão da chamada Radiação Cherenkov, caracterizada por uma luz azulada que é bastante útil para a Física, podendo ser usada até mesmo para detectar partículas. Conheça um pouco deste fenômeno!
Imagine uma partícula bastante veloz na água. Se a sua velocidade é maior que a velocidade da luz na água e esta partícula tem carga elétrica, ao interagir com as moléculas do meio serão produzidos fótons, isto é, partículas de luz. Como a velocidade da luz gerada é menor do que a velocidade do corpo, a luz é deixada para trás. Conforme nossa partícula viaja, cria novas frentes de onda que para um observador externo tem um formato de cone, isto é, um anteparo posto na frente da partícula vê um ponto de luz que aumenta de tamanho conforme o tempo passa.
Imagem por: H.Seldon, Wikimedia Commons
Para o efeito Cherenkov ocorrer, o meio deve ser um material dielétrico, isto é, um isolante elétrico. Uma grandeza que caracteriza estes materiais é o índice de refração, que mostra a relação entre a velocidade da luz no vácuo e no meio em questão.
Por exemplo, a água possui um índice de refração de aproximadamente 1,33. Isto significa que a velocidade da luz no vácuo (c = 300.000 km/s) é 33% maior que a velocidade na água. Em outras palavras, a velocidade da luz na água é 0.75c.
Qualquer partícula carregada com velocidade superior à velocidade da luz, emitirá Cherenkov. No caso da água, qualquer partícula acima de 0.75c, isto é, aproximadamente 225.000 quilômetros por segundo.
Quando detectamos a radiação Cherenkov, podemos inferir a velocidade da partícula através do ângulo de abertura do cone de luz. Quanto mais aberto, mais rápida a partícula. A abertura máxima também depende do índice de refração, voltando para a água, quando a partícula está na velocidade da luz o ângulo é 43 graus.
Se usarmos um outro instrumento para medir o momento da partícula, podemos usar a informação da velocidade para calcular a massa da partícula de forma a identificar qual a partícula que provocou o efeito.
Reações nucleares
A radiação Cherenkov se tornou um dos métodos mais tradicionais para se estudar partículas com altas energias. Mas não existem muitos fenômenos naturais que geram partículas tão energéticas, afinal é difícil acelerar partículas.
Uma maneira de gerar estas velocidades sem ter de acelerar as partículas é através de reações nucleares. Por exemplo, os decaimentos betas, onde átomos transformam um nêutron em próton e emitem elétrons altamente energéticos (além de neutrinos).
Assim é comum ver um brilho azulado em reatores mergulhados em água. Isto pode ser usado para verificar se as barras de combustível nuclear ainda estão com alta eficiência de forma segura.
Raios Cósmicos
Outra fonte de partículas energéticas são eventos astronômicos, como reações nucleares no Sol, explosões de supernovas e outros. Estes eventos enviam partículas altamente energéticas para todas as direções no espaço, os chamados raios cósmicos. Quando chegam na Terra, estes raios cósmicos colidem com as partículas da atmosfera gerando uma cascata de partículas, os chuveiros atmosféricos.
Experimentos para o estudo de raios cósmicos usam tanques de água para detectar as partículas filhas dos raios cósmicos e reconstituir as reações que aconteceram no chuveiro atmosférico.
Alguns experimentos ocupam áreas imensas como o Observatório Pierre Auger, na Argentina, que possui 1600 tanques Cherenkov em uma área de 3.000 quilômetros quadrados.
Neutrinos
Neutrinos são partículas neutras, então pode parecer estranho que o efeito Cherenkov ajude em seu estudo. Porém, ao interagir com a matéria, neutrinos geralmente liberam uma partícula carregada. Por exemplo, no decaimento beta inverso, um próton absorve um antineutrino e emite um nêutron e um pósitron, assim, detectando o pósitron é possível inferir o neutrino.
Para tanto é necessário garantir que a partícula carregada foi gerada dentro do tanque Cherenkov, só assim sabemos que havia um neutrino dentro do tanque. Em geral, são construídos detectores na parte de fora do tanque para excluir eventos que vieram de fora, isto é chamado de veto e é especialmente útil para evitar confusão com dados de raios cósmicos.
Experimentos de neutrinos baseados em Cherenkov costumam ser construídos no subterrâneo, usando a superfície como um escudo para raios cósmicos. Quanto menos fontes que possam ser confundidas pelo detector, melhor.
Tanques Cherenkov para estudo de neutrinos são imensos. O experimento Super Kamiokande é um imenso tanque com cerca de 50 quilo toneladas de água pesada em seu interior, já o experimento IceCube transformou uma imensa região de gelo de um quilômetro cúbico da Antártica em um detector de neutrinos.
Conclusão
O efeito Cherenkov é um dos mais usados fenômenos nos estudos de física de altas energias e ainda será um tecnologia utilizada por muito tempo visto que novos e maiores experimentos baseados no princípio estão em planejamento para o futuro como Hyper Kamiokande, a nova fase do experimento Super Kamiokande.
Referências e saiba mais:
Ciência todo dia - Radiação Cherenkov: Quando Partículas se Movem Mais Rápido que a Luz https://www.youtube.com/watch?v=Z-0bNIXzSIc
SciShow Space - Cherenkov Radiation : Particles Faster Than the Speed of Light? https://www.youtube.com/watch?v=_Kf2f_9MfPc
FermiLab - How does Cerenkov radiation work? https://www.youtube.com/watch?v=Yjx0BSXa0Ks
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